Zé Raimundo: “O sistema político brasileiro é esquizofrênico”

Foto: Blog do Anderson
O professor e deputado estadual José Raimundo Fontes, sempre que pode, manifesta suas profundas reflexões/preocupações sobre o Estado e o sistema político brasileiro. Para ele, por exemplo, o senado é um braço meramente decorativo no Parlamento e deveria ser extinto. Na manhã desta sexta-feira (9), por ocasião da solenidade de aniversário da cidade, o Blog do Fábio Sena conversou com o ex-prefeito sobre alguns temas que estão exigindo reflexão por parte da sociedade brasileira – a exemplo do julgamento do Mensalão –, sem contudo deixar de tratar de temas cujo interesse é estritamente local, como os novos rumos da administração municipal pós-4 mandatos e a eleição da Mesa Diretora da Câmara de Vereadores. Com a franqueza que o caracteriza, Zé Raimundo vai fundo em todas as questões, opinando e abrindo horizontes.
BLOG DO FÁBIO SENA: O PT vai seu quinto mandato consecutivo em Vitória da Conquista. Quais são as perspectivas para o novo governo?
ZÉ RAIMUNDO: Em primeiro lugar, estamos comemorando 172 anos de aniversário da cidade e, nesse período, ela presenciou, ela conheceu algumas conjunturas de progresso, de dinamismo. Ali, nos anos 40, com a Rio Bahia, nos anos 50, com a intensificação da urbanização, nos anos 70 com o café, no anos 80 com a presença da Universidade do Sudoeste, e sem dúvida alguma o marco mais recente é o Governo Participativo, na primeira gestão do prefeito Guilherme, em 1997, que inicia esse processo de redesenho dos marcos econômicos e sociais, de um novo modelo de gestão e de relação entre o poder local e a sociedade, focado inicialmente no eixo do social; tivemos um momento extraordinário de inclusão das milhares de pessoas que não tinham acesso aos benefícios da saúde e da educação, da cidadania plena. Na minha gestão tive a oportunidade de consolidar todo esse processo e fazer uma inflexão, fazer uma mudança para intensificar a infraestrutura da cidade para dar condições desse desafio da modernidade da cidade, da plástica urbana, novos eixos de desenvolvimento do comércio, melhorando as condições para a cidade pudesse cada vez mais atrair investimentos. E nesta nova gestão de Guilherme o processo continua nesse ritmo de aceleração do social com o econômico, com grandes projetos de infraestrutura da cidade, como o esgotamento sanitário, o novo aeroporto, a infraestrutura hídrica, além de todas essas ações anteriores que a gente vinha desenvolvendo. Então, nesse novo patamar, nesse novo cenário, Vitória da Conquista tem tudo para continuar sendo o grande polo de atração de serviços na saúde e na educação, no comércio varejista e atacadista, além de ser um grande centro formador de mão-de-obra especializada com as universidades, com os institutos tecnológicos. Então acho que o grande veio, o grande eixo para o futuro é essa articulação que continua dando certo: o social com atração de investimentos na área de construção civil, do comércio atacadista e varejista, além de serviços da saúde e da educação.
BLOG DO FÁBIO SENA: Zé, o PT sempre atraiu para si a ideia de patrimônio da ética na política e, agora, vive a turbulência do “Mensalão” no STF envolvendo lideranças petistas. Como você encarou essa questão e que tipo de reflexão deve fazer o PT acerca desse episódio?

ZÉ RAIMUNDO: Veja, eu tenha acompanhado os debates no interior do nosso partido, na grande mídia, nos ambientes intelectuais e há uma clara intenção de certas camadas sociais, de certos grupos políticos e econômicos, principalmente da mídia, em demonizar o Partido dos Trabalhadores. É claro que esse episódio que eclodiu em 2005, em que o PT foi acusado de comprar votos para aprovar projetos no Congresso Nacional, é claro que é uma intenção de ferir de morte o nosso partido para desqualificar essa herança benigna que o Lula deixou a partir de 2003, incluindo milhares de brasileiros nas políticas sociais, e a figura do próprio Lula; então, é uma tentativa de desqualificar nosso partido. É claro que houve ali o Caixa 2, já assumido publicamente por toda liderança do partido, e que não implicaria numa ação criminal porque, como se sabe, o partido, até de forma, eu diria, boba, inocente, repetiu as práticas que o PSDB vinha fazendo. Todo mundo sabe que FHC comprou votos para reeleição, para seu segundo mandato; todo mundo sabe que havia grandes grupos de interesse ligados a FHC que patrocinaram também esse Caixa 2 ao longo desses anos, como o Azeredo, em Minas Gerais; todo mundo sabe que existe um esquema de Caixa 2 vinculado ao DEM de Brasília, esquema de corrupção com o José Roberto Arruda… infelizmente isso já ocorria nesses ambientes e o PT tá sendo o bode expiatório dessa articulação. Mas isso não deixa evidentemente de trazer para todos nós, militantes, preocupações, até mesmo uma certa tristeza porque estamos vendo nosso partido, que é um patrimônio do povo brasileiro, que construiu a Democracia, que foi fundamental nesse processo de redemocratização do país, que tem sido fundamental na organização da sociedade excluída historicamente da vida social e econômica, como os quilombolas, as mulheres, os negros, os índios, os camponeses, os agricultores familiares, as periferias, pessoas que não tinham acesso à universidade, então tudo isso o partido está promovendo, com transferência de renda, incluindo milhares de brasileiros que não tinham nada. Então, essa herança é que temos que preservar e fazer esse debate. Vamos naturalmente esperar a conclusão do processo como um todo, o partido está se preparando internamente para enfrentar esse debate com a sociedade nos próximos meses, para esclarecer à sociedade que esse fato, diria isolado, que não desqualifica o partido enquanto instrumento das lutas sociais do povo brasileiro, vamos travar esse debate para sairmos vitoriosos. Já agora o povo, em muitos Estados e municípios, percebendo também que parte da mídia está manobrando esse episódio do chamado Mensalão para desqualificar o partido, o povo não foi nessa onda e votou maciçamente no partido, como foi o caso de São Paulo, onde elegemos o companheiro Fernando Haddad com uma grande votação, ele que se projeta como grande liderança, inclusive uma liderança renovada. Agora que isso vai trazer para todos nós um grande desafio que é também de estarmos vigilantes quanto aos métodos de fazer política.
BLOG DO FÁBIO SENA: Hoje, depois de o PT assumir o governo em várias cidades, estados e no Brasil, a população consegue diferenciar políticas de esquerda e de direita?
ZÉ RAIMUNDO: Todo partido, todo grupo político tem bônus e ônus. O bônus nosso do partido foi esse legado de inclusão social de milhões de brasileiros e o ônus é esse chamado realismo político que leva a essas articulações, a essas coalizões necessárias ao exercício do governo, ao exercício do poder. Infelizmente, nosso sistema político brasileiro é esquizofrênico de certa maneira: você tem um Poder Executivo relativamente forte, mas tem um Congresso também forte, você tem os governos estaduais também fortes e os municípios também com grandes possibilidades econômicas e políticas. Então, nós temos um sistema de organização política da União à federação e o poder local que distribui instâncias de poder e que o prefeito precisa dos vereadores, o governador precisa da assembleia legislativa, e o presidente da República precisa do Congresso Nacional. E foi isso que levou o presidente Lula a fazer esses arranjos e foram esses arranjos, a chantagem dos partidos aliados que levaram a isso que a imprensa está chamando de mensalão. Evidentemente que esse é o ônus que a gente pagou pra ter chegado ao poder. Mas, voltando à sua questão original, eu acredito que ainda há grandes diferenças entre a esquerda e a direita, diferenças que o PT mostrou. De como um governo, mesmo de coalização, com aliados conservadores, de centro, você pode conduzir políticas do Estado para beneficiar a maioria da população, e é claro que a população, institivamente, começa a perceber que todas essas ações do Governo Federal, como o Bolsa Família, Pronaf, Luz Para Todos, Minha Casa Minha Vida, as cotas, a expansão da Universidade Pública, do ensino profissionalizante, tudo isso são coisas que somente partidos de esquerda tem compromisso e assumem essa bandeira, executa esse programa. Veja agora, no mundo inteiro: a Europa está se desregulando, destruindo conquistas históricas, de mais de 80, 100 anos, o Estado de Bem Estar Social está sendo destruído na Europa em função da crise do capitalismo, enquanto na América Latina e no Brasil, ao contrário, nós estamos lutando para estender cada vez mais a cidadania porque aqui, especialmente na Venezuela, Bolívia, Argentina e Brasil, nós temos políticos com esse viés de esquerda. Agora, esse é um debate que a gente precisa aprofundar realmente, mas a gente percebe que a população percebe, tanto é verdade que a grande massa que foi beneficiada pelas políticas do Governo Lula e agora da Dilma votaram no PT ou nos partidos aliados, que têm uma clara posição de apoio ao projeto da presidenta Dilma.
BLOG DO FÁBIO SENA: 2014: quais as perspectivas?
ZÉ RAIMUNDO: Olha, vamos trabalhar esses anos para consolidar essas conquistas do governo Wagner e Vitória da Conquista cumpre um papel estratégico, fomos para o quinto mandato agora com o companheiro Guilherme mais uma vez à frente da Prefeitura, vamos trabalhar com nosso mandato para ajudar Conquista, colaborar para a continuidade de muitas ações do governo, na região também vamos estar juntos de muitos companheiros prefeitos, vice-prefeitos e vereadores para que a gente chegue em 2014 com uma clara possibilidade de conduzir mais uma vez o projeto no Estado, que seja do nosso partido, desse bloco junto com Wagner, naturalmente meu nome vai estar à disposição dos companheiros para renovação do mandato de deputado estadual.
BLOG DO FÁBIO SENA: Quanto às eleições para eleição da Mesa Diretora da Câmara, como o senhor está assistindo esse processo?
ZÉ RAIMUNDO: Olha, a Mesa Diretora, a presidência da Câmara é uma instância fundamental porque todos os projetos por ali passam, é uma representação da sociedade, o poder mais legítimo e democrático é a Câmara de Vereadores, que está próxima do povo; na verdade, eu tenho informações que há três pretensões, o companheiro Fernando Vasconcelos, a indicação do professor Coriolano e do vereador Gilzete Moreira. Eu acho que a reflexão, o debate entre os partidos e as lideranças é a gente encontrar uma forma que legitime o futuro presidente, seja em articulações com os vereadores, com os partidos; é natural também que o prefeito, como principal líder político do município também se interesse, é natural isso; a gente ainda tem dois meses pela frente e tem tempo para se conversar, para se discutir; agora considero também que o companheiro Fernando Vasconcelos cumpriu um papel muito importante ne gestão anterior e que tem todas as condições. Os outros nomes também são legítimos, o professor Coriolano, Gilzete Moreira, faz parte do jogo político esse debate, essa reflexão, naturalmente vamos estar acompanhando para contribuir com esse processo.
Fonte: Blog do Sena

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